O poder antioxidante da erva-mate dá de dez no chá verde

Erva-mate melhora o desempenho atlético, diminui o risco de doença cardíaca, entre outros benefícios.

Um estudo recente demonstrou que a erva-mate ganha de lavada em propriedades antioxidantes do tradicional chá. Essa disputa e a vitória foi registrada, há exatos dez dias, no britânico Nutrition Journal, que publicou com destaque o trabalho realizado no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul. Não para menos: são 17 milhões de mortes todos os anos por causa do coração. As doenças cardiovasculares, só de 1990 para cá, deram um salto de mais de 40% e, bem, a erva-mate provou que, graças aos seus antioxidantes, pode — muito mais do que o chá verde —  evitar as famosas placas nas artérias, capazes de levar a um piripaque cardíaco.

Atenção: a erva-mate não fez essa proeza em vidrinhos de laboratório. Nem em camundongos ou em qualquer outra cobaia. O efeito foi constatado em 142 homens e mulheres, entre 35 e 60 anos de idade, todos acima do peso. Portanto, os resultados revelam o que foi observado na nossa vida como ela é, isto é, no corpo humano. E digo mais: o estudo foi o que os cientistas chamam de randomizado controlado.

Isso significa que as pessoas foram selecionadas para beber ou não o mate de maneira aleatória, mas todas as variáveis foram controladas. Por exemplo, os estudiosos compararam quem fazia ginástica de um lado, o da erva-mate, com quem fazia ginástica do outro, o do chá verde; quem era sedentário de um grupo com quem era sedentário de outro. Por essa metodologia, que nunca mistura alhos com bugalhos, os achados são sempre muito confiáveis. Por isso, bote fé: a erva-mate está com tudo, apesar de a comparação com o chá verde parecer uma covardia.

Ora, por enquanto, apenas 1 milhão de pessoas têm o hábito de consumir bebidas à base de erva-mate diariamente no mundo inteiro, enquanto 158 milhões de americanos já aderiram ao chá verde — e, ainda assim, esse número é um golinho de nada perto das 400 mil de toneladas que vão parar na tigela dos chineses todos os anos.

Sem contar o chá da Camellia sinensis é uma das mais antigas bebidas preparadas pelo homem, se a gente pensar nos registros da história, que remontam 5 mil anos. E é também o mais estudado no planeta. Hoje, precisamente, existem perto de 30 mil pesquisas publicadas sobre seus benefícios para a saúde. Portanto, não há como negá-los. Mas a erva-mate ou Ilex paraguariensis —  que os colonizadores conheceram por intermédio de índios, como os guarani, que viviam no extremo sul do continente — surpreendeu pra valer.

No caso, toda a pesquisa foi feita em cima do chimarrão, que é objeto de estudos da cardiologista Vera Portal e de sua equipe no Instituto de  Cardiologia gaúcho há um bom tempo. Ali, trabalhos anteriores já tinham demonstrado que o hábito de tomar o chimarrão diminuía os níveis de colesterol e de pressão arterial.

O biomédico Guilherme Balsan brinca que pegou o bonde andando na linha de pesquisa, na qual se envolveu para fazer o seu doutorado. Mas a missão que lhe foi entregue fez enorme diferença: a partir de amostras de sangue congeladas em fases anteriores dessa da longa investigação sobre o chimarrão, ele foi caçar moléculas que poderiam justificar os efeitos proclamados. E, comparando-as, encontrou duas substâncias  que pareciam estar sempre diferentes, para melhor, entre os fãs da erva-mate.

Uma delas era a leptina, secretada pelas células de gordura do corpo e famosa por promover saciedade. Na verdade, a leptina também tem um tremendo papel antiinflamatório. Outra molécula é a paraoxonase-1, ou simplesmente PON-1, geralmente encontrada em níveis baixíssimos em quem sofreu um infarto. Com esses dois alvos definidos, os cientistas partiram para a ação.

Os voluntários foram divididos em três grupos. Um deles foi orientado a, durante dois meses,  tomar 1 litro de chimarrão por dia. Seus integrantes tinham de colocar exatas 87,5 gramas de erva-mate na tradicional cuia ou cerca de 15 colheres de sopa. Sobre as folhas, derramavam 500 mililitros de água bem, beeem quente. Outra cuia era preparada do mesmo jeito ao longo do dia para completar 1 litro.

O grupo do chá verde, por sua vez, recebeu instruções para preparar uma infusão com 1 grama de folhas em 200 mililitros de água e fizeram isso cinco vezes por dia para completar 1 litro, assim como a terceira turma que engoliu um chá de maçã para se checar um eventual efeito placebo.

Ah, sim, todos os participantes foram proibidos de deixar que qualquer pessoa provasse da sua bebida. Não por nada: a experiência foi rigorosa e ninguém podia sorver nem sequer uma gota a menos do que a quantidade prescrita todo santo dia.

A maior surpresa veio no exame dos níveis da PON-1 na circulação. Em que tomou chimarrão, eles aumentaram, em média, 9,7%. E preciso dizer que, quando essa molécula sobe, o HDL, apelidado de colesterol bom, também tende a aumentar. Não deu outra: foi o que aconteceu, mas só entre os consumidores da erva-mate. O chá verde mal abalou a PON-1, muito menos a leptina.

Será então que a bebida oriental não funciona e que tudo o que se fala de bom sobre ela pode ser esquecido? Longe disso. "Isso significa apenas que, se o chá verdade já faz bem, dá para imaginar o potencial da erva-mate, que, como a folha da Camelia sinensis, também é repleta de compostos fenólicos e, ao que tudo indica, com um poder antioxidante ainda maior", diz Guilherme Balsan, que sonha ver bebida símbolo do seu estado ganhar outras regiões do planeta, conquistando consumidores sedentos por prevenção, como aconteceu com o próprio chá verde.

Minha dúvida é se o mate teria o mesmo efeito em outras preparações  não processadas, feitas em casa com a própria erva, mas servidas geladinhas, por exemplo. É provável que sim, apesar de a concentração de compostos antioxidantes ficar menor do que a do chimarrão, pela quantidade de folhas e a temperatura da água. O mate, usando em casa a própria erva a granel, como já é encontrada nos supermercados, sempre oferece um punhado nada desprezível de seus compostos benéficos. No entanto, cautelosa, a médica Vera Portal, líder da investigação e com quem troquei emails, prefere afirmar que, por enquanto, a garantia é de que o chimarrão faz um bem enorme ao peito.

Ok, só que neste calor eu, que sou filha de gaúcho, não arrisquei a pegar a cuia e a bomba herdadas de meu avô. Mas fui correndo preparar um bom mate no qual joguei pedras de gelo. Provavelmente diluí uma parte dos benefícios, mas fiz o meu brinde aos nossos cientistas do sul.

Texto publicado no Blog da Lúcia Helena/UOL